Wednesday, January 23, 2008

Já Foi Dito Que Livros Não Poderiam Ser Lidos...


De tempos em tempos a Censura dá o ar de sua graça em nosso eterno berço esplêndido. Desta vez, os agraciados foram os jogos para PC Counter Strike e Everquest, proibidos e sendo recolhidos em todo o país. A alegação para tal medida é que a violência exacerbada pode influenciar negativamente crianças e adolescentes em plena formação e, portanto, altamente, sugestionáveis. Mas... espera aí! Esses jogos já não trazem uma classificação etária para maiores de 18 anos? Não seria o caso de fiscalização sobre os dois responsáveis pela chegada desses jogos às mãos dos menores, ou seja, pais e comerciantes? Sem falar do uso do artifício banal da generalização: eu passei minha adolescência assistindo Sexta-Feira 13 e nem por isso saí imitando o psicopata Jason, dando machadadas por aí.

Vivemos numa época - como diz o comercial da TV Futura - em que temos a sorte de sermos livres para pensar. Livros são lidos. Filmes são vistos. Músicas ouvidas. Claro que isso varia de acordo com a cultura: os países muçulmanos, por exemplo, não gozam das mesmas liberdades. Chega-se a extremos para punir a ousadia de certos artistas - Salman Rushdie e seus "Versos Satânicos" que o diga. Em alguns cantões da China, recentemente, proibiu-se a Bíblia para menores de 18 anos, com a mesma justificativa para o que ocorre agora com Counter Strike e Everquest no Brasil: conteúdo de extrema violência. Não deixa de ser verdade.

Porém, o que ocorre no Brasil é o banimento, mesmo, com a consideração de que apenas a classificação etária não resolveu no caso dos jogos. Mas tal medida remete aos anos de chumbo da ditadura, onde publicações eram vetadas, músicas retalhadas e filmes proibidos por décadas - o Saló, de Pasolini, só foi liberado em 1989, 14 anos após seu lançamento - ou exibidos de forma constrangedora - o clássico Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick foi exibidos nos cinemas com ridículas bolas pretas perseguindo as partes íntimas dos atores nas cenas de nudez.

A proibição dos jogos soa como tardios resquícios daquela época, mesmo que a atuação do Governo nesse sentido seja esporádica. Faz-se necessário perguntar: não era suficiente a classificação etária? Era necessária a retirada do produto do comércio? Como li num forum, está-se criando mais um estímulo à pirataria. Soa até um pouco ingênuo, realmente, achar que esses jogos sumirão de vez, apenas tirando-os das prateleiras. O efeito é parecido com o que ocorre quando a Igreja se insurge com determinados filmes. A polêmica para com O Código Da Vinci, tanto o filme quanto o livro, só fez aumentar a curiosidade e, em conseqüência, crescer vendas e bilheteria. Algo mais ou menos parecido acontece com o recente A Bússola de Ouro, criticado pelos religiosos como apologia ao ateísmo. E o filme vai bem de bilheteria, obrigado. Nos anos 90, quiseram banir a comédia Dogma, de Kevin Smith, que mostrava Deus vindo à terra como uma mulher e o 13º apóstolo (!) como um jovem negro. Pois o filme foi exibido por aqui e quem viu (eu aí incluído) constatou que, além de divertida, a obra nada tem de ofensivo e é até respeitoso e "cristão" demais, com seus exemplos de tolerância. Enfim, medidas proibitivas, no que se refere à cultura e suas manifestações, sempre trazem o risco de ser um tiro no pé - dos que as impõem. Por sinal, não seriam bons jogadores de Counter Strike.