Friday, December 15, 2006

2006: O Cinema Questiona

Chega o fim de um ano de produções interessantes e questionadoras. Assisti a pelo menos cinco filmes com forte cunho social e/ou político, seja nos cinemas ou em vídeo. Na tela grande, logo no começo de 2006, pude ver O Jardineiro Fiel - excelente direção do brasileiro Fernando Meirelles (Cidade de Deus) - de uma trama que coloca a nu as tramóias da indústria farmacêutica, cuja falta de escrúpulos leva a utilizar cobaias humanas numa África onde a própria miséria humana esconde a miséria ética daqueles (quase) sempre ocultos megaempresários dos remédios. O diplomata Ralph Fiennes e a ativista Rachel Weisz são o contraponto ético nesse mar de sordidez em nome do lucro.

Depois de Fernando Meirelles foi a vez de outros brasileiros questionarem abusos de uma certa época na telona. Zuzu Angel é uma boa produção nacional, valorizada pelo tema (torturas, abusos e sumiços perpetrados pela ditadura militar) e pelas atuações de Patrícia Pillar e Daniel de Oliveira, respectivamente como a personagem-título, estilista renomada e mãe desesperada, e o filho, estudante ativista/idealista, desaparecido durante o regime fascista vigente no Brasil dos anos 70.

Munique, de Steven Spielberg, procura uma trilha mais imparcial ao acompanhar a vingança perpetrada por Israel contra os autores palestinos do Massacre de Munique, onde terroristas assassinaram onze atletas judeus. Spielberg não toma partido e aborda mais o lado humano dos personagens envolvidos na missão de revanche: a ética (em especial do personagem de Eric Bana) em conflito com o "dever" de assassinato em nome da honra.

Já Siryana tem paralelos com O Jardineiro Fiel, com a diferença de que a indústria ("A Indústria do Petróleo" no subtítulo brasileiro) aqui é outra. O diretor Stephen Gaghan, roteirista de Traffic (de Steven Soderbergh), segue a trajetória de três personagens envolvidos em diferentes níveis e formas nas maquinações tanto governamentais quanto empresariais pelo comando mundial da produção de gasolina. Gaghan critica os Estados Unidos sem dó nem piedade nesta produção de George Clooney, que acabou ganhando o Oscar de ator coadjuvante. Há inclusive nos escalões sombrios do governo/indústria americano uma tal CLI - Comissão de Libertação do Irã - que, obviamente, visa antes apoderar-se das maiores reservas petrolíferas do mundo que perpetrar ações humanitárias. Nesse panorama, Clooney vive Bob Baer, experiente agente da CIA que se vê traido pelos próprios colegas e resolve, então, fazer o que é certo; Matt Damon é o especialista em economia que passa por uma tragédia em família e resolve enfrentar o sórdido jogo de interesses da fusão de duas gigantescas empresas petrolíferas americanas no embate com os chineses pela concessão de exploração de poços no Oriente. Por fim, o peão desse jogo: o jovem muçulmano que, com seu pai e muitos outros, perde o emprego com a disputa das indústrias e, levado pela desesperança e explorado pelo fanatismo religioso, toma uma decisão extrema. Um soco no estômago do capitalismo exacerbado.

O mesmo Clooney dirige e atua em Boa Noite e Boa Sorte, produção em belíssimo preto e branco sobre a luta da equipe do âncora televisivo Ed Morrow e sua equipe contra os abusos do senador Joseph McCarthy em sua caça às bruxas, ou melhor, perseguição a todo e qualquer resquícios de simpatia ou adesão ao Comunismo. Eram os primórdios da transmissão televisiva, início dos anos 50, e direitos eram desrespeitados, pessoas condenadas sem julgamento, perdiam arbitrariamente seus empregos. Contra muitos, Morrow (ótima atuação de David Strathairn), seu parceiro Fred e equipe peitaram o senador McCarthy (um verdadeiro precursor de Bush em quesitos como idiotice ou prepotência) em nome da preservação dos direitos e liberdades constitucionais atropeladas pelo político demagogo e preconceituoso. Morrow também fixou os ditames do jornalismo televisivo. Em suas palavras, esse jornalismo teria de mostrar posicionamento, ética e compromisso com a verdade, caso contrário, a televisão não passaria de nada mais que uma "caixa cheia de fios e luzes".

Parafraseando Morrow, diria que Cinema é entretenimento, mas se não tiver um pouco de conteúdo e matéria para questionamento, não será mais que uma tela iluminada. E, a julgar pelos filmes acima, em 2006 o cinema foi além das luzes projetadas nas telas.