Sunday, November 19, 2006

Um Conto Para Relembrar a "Escura" Era FHC - Mas Com Bom Humor...

(R)Apagão

- É hoje que eu arrebento!
Não era uma frase nova. Todos os colegas da equipe do Sombra e Água Fresca F. C. já tinham ouvido o enorme Fernandão Trator pronunciá-la inúmeras vezes. Era uma promessa quase que ritual do centroavante. Mesmo quando passava o jogo inteiro esquentando o banco de reservas. Só que, na prática... Bem, levando ao pé da letra, Fernandão já tinha realmente arrebentado várias vezes: o tendão de Aquiles, numa partida; o joelho, noutra; os dedos dos pés umas duas vezes - e isso nos treinos - e até uma vez o maxilar, quando subiu muito para cabecear uma bola alçada na grande área e teve o queixo cabeceado por um zagueiro bem mais baixo que ele. Mas essa noite era uma ocasião especial: o Sombra e Água Fresca inaugurava a iluminação artificial do seu velho e acanhado estádio. Para Fernandão também, pois, graças à contusão do titular, ele enfim começaria jogando. Era a sua grande chance. O técnico, por sua vez, roendo as unhas de forma a irritar os demais que estavam no banco de reserva, confidenciou ao amigo massagista que rogara muito pelo novo centroavante em suas preces:
- Espero que ele realmente arrebente... e no bom sentido, desta vez. E que também não arrebente os outros. Que Deus o ilumine.
Oito em ponto. O jogo começa. A equipe da casa parte com entusiasmo para cima do adversário. A euforia também contaminou o bairro, que abarrotou as arquibancadas do Bica Luminosa - alcunha que lhe foi aplicada em homenagem a um famoso e bem maior estádio... Mas logo se vê que o jogo é e será feio, muitas faltas, marcação cerrada, reclamações, cartões aos montes para ambos os lados e o zero a zero estendendo-se quase até o final dos 90 minutos, quando, numa bola alçada na área pequena, o goleiro dos visitantes sai de sua meta 'catando borboletas'. Atrás dele, o zagueirão, outro que perde em estatura para o centroavante, sobe para o cabeceio e, conseqüentemente, ao invés de acertar a bola, alcançada antes por Fernandão...
- Ohhh!!!
Bem nesse exato, crucial momento, as luzes se apagam. Suspense geral. Tudo às escuras. No gramado, mais precisamente na área onde se dava a jogada, um estrondo forte, seco, simultâneo ao apagão, acelera o coração de todos os presentes, que inclusive sentem o chão tremer. "O que foi esse barulho?", pergunta um; "Trovão?", opina mais um; "Caixa de força explodindo?" sugere outro. O árbitro, por fim, se dá conta que alguém pode aproveitar a escuridão para trapacear; corre até o gol e passa a gritar infantilmente a todos pulmões:
- Como está, fica! Como está, fica!
De fato, ninguém se mexia no momento em que a luz voltou, apenas alguns segundos depois, graças ao gerador providenciado pelo presidente do Sombra - aliás, muito oportunamente um empresário do ramo de baterias e geradores...
Se ninguém se mexia, o que dizer, então, de Fernandão, estatelado na grama da pequena área?
- Ih, moçada, o rapagão apagou! - espantou-se o zagueiro dos visitantes que estava com o atacante na jogada, para em seguida reclamar: - Ai, minha cabeça!
Fez-se uma pequena multidão ao redor do moço, veio o médico - na verdade, um veterinário presente na torcida - e começou a reanimá-lo. Apesar do zagueiro jurar que chocou-se com o duro queixo de Fernandão, o mesmo tinha um vistoso galo na testa e nenhum outro atleta mostrava alguma contusão ou marca causada por um possível choque frontal com Fernandão. Então, o que teria causado o inchaço?- Pessoal... olhem só o travessão! - apontou outro impressionado jogador. O fato é que a haste superior do gol estava bem amassada. Se fizessem um molde de gesso da cabeça de Fernandão, ele encaixaria justinho naquele ponto afundado do travessão.
- Ei, olhem, lá dentro do gol! - alguém do Sombra gritou.
Era a bola. Sim, a pelota no fundo do gol! O árbitro já estava tirando do gramado os estranhos ao jogo e, com a confirmação do bandeirinha, que havia prontamente corrido para perto da área quando o blecaute aconteceu, apontou o meio de campo. A torcida gritou gol! Festa da galera, dos jogadores do Sombra e Água Fresca, revolta total dos visitantes, que afirmavam que pela regra o juíz devia dar "bola ao alto".
Fernandão recobrava os sentidos, acordado pela festa que o estádio fazia; abriu os olhos, viu a bola na rede, escancarou a bocarra num largo sorriso quando distinguiu seu nome sendo gritado pela torcida. Num pulo, levantou-se, esquecendo da dor no maxilar - e a da cabeça também - e foi ao alambrado - que quase foi abaixo com seu peso - comemorar com a galera. Todo sorrisos, voltou ao gramado. Enquanto os adversários reclamavam com a arbitragem, os companheiros cumprimentavam efusivamente o goleador. O jogo reiniciou e, um minuto depois, findou-se. Graças a Fernandão o Sombra e Água Fresca havia ganho uma. O nome do goleador era ainda gritado efusivamente pela torcida. Enquanto o trio de arbitragem se mandava para o vestiário com medo dos visitantes que queriam apagá-los, os companheiros do novo e iluminado artilheiro do Sombra corriam em sua direção para carregá-lo.
- Chega aí, pessoal, vamos erguer o Nandão! Vamos precisar de uns cinco aqui.
Mas, antes de chegarem a Fernandão Trator, o mesmo, não agüentando de emoção e após uma triunfante volta olímpica onde a todo momento esfregava o galo que agora ostentava como a um troféu, desmaiou. Dessa feita, pelo menos, havia um enorme sorriso em seu rosto desacordado. Os colegas da equipe acorreram ao seu redor, tentando a maioria reanimá-lo. Um jogava água, o outro dava tapinhas em suas faces mas nada de acordá-lo nem de tirar-lhe o sorriso que rasgava de orelha a orelha seu rosto. O técnico, preocupado, aproximou-se. O veterinário voltou ao campo e procurou tranqüilizar a todos, que muito provavelmente aquilo era resultado de pura emoção. Um dos jogadores, coçando a cabeça, comentou com o treinador:
- Xii, professor, e não é que o rapagão apagou de novo...
Rogério Stefanelli

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