Thursday, November 02, 2006

Cinema Feroz: Dedos Cortados

Hoje estréia Jogos Mortais 3 (Saw 3) nos cinemas brasileiros. A trama do assassino Jigsaw, um doente (em amplos sentidos) que produz armadilhas das quais as vítimas só sobrevivem se passarem por terríveis suplícios - próprios ou de outrem - nos remetem a pensar que este ano de 2006 que está em sua reta final foi pródigo em filmes de suspense/terror com a cara e a coragem de produções típicas dos anos 1970 e começo de 1980, vide clássicos como Aniversário Macabro (The Last House on the Left), O Massacre da Serra Elétrica (Texas Chainsaw Massacre), Zombie - O Despertar dos Mortos (Down of the Dead) e Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes). Este último, aliás, ganhou uma refilmagem terrivelmente violenta, no Brasil intitulada Viagem Maldita. A história é a mesma do clássico de Wes Craven, mas com algumas diferenças. A mais gritante são as cenas de violência, explícita, orquestrada por alguém de experiência no assunto: Alexandre Aja, diretor do sangrento e cultuado francês Haute Tension, lançado em vídeo no Brasil como Alta Tensão. O herói de Aja remete ao Dustin Hoffman de Sob o Domínio do Medo (1971), de Sam Peckimpah: o sujeito pacato que, numa situação limite, torna-se uma fera para defender o seu espaço e/ou sua família. Mas o de Viagem Maldita extrapola, extravasando sua raiva de forma tão feroz quanto seus monstruosos algozes canibais. E o que se vê, então, é um espetáculo de pessoas queimadas, estupradas e mortas a tiro de um lado, eliminadas a machadadas e empaladas de outro, com direito a algumas cenas arrepiantes de violência on screen, principalmente envolvendo as já citadas machadadas.

O ano começou com outra viagem: Wolf Creek - Viagem ao Inferno, suspense australiano que traz, a meu ver, um dos vilões mais detestáveis da história do cinema, um sujeito que, num lugar no meio do nada, onde a única atração é a tal Wolf Creek - uma enorme cratera causada pela queda de algum asteróide -, comete atrocidades contra mochileiros que se aventuram pelo local. O pior de tudo é que tal história é baseada em fatos (a revista Set do mês de outubro traz uma interessante matéria sobre os psicopatas da vida real que inspiraram obras do cinema). O que coloca Wolf Creek acima da média é a direção e roteiro inteligentes de Greg McLean, que não abdica de algumas cenas capazes de fazer os mais sensíveis virarem o rosto, mas foi capaz de causar grande empatia pelo jovem trio de vítimas na primeira metade do filme, tornando mais cruéis, por conseqüência, os destinos dos mesmos quando se deparam com o lunático, à primeira vista, pacato e falastrão, mas com um espírito predador que não diferencia animais e pessoas como possíveis presas. Há duas curiosas semelhanças entre esta viagem e a Viagem Maldita de Alexandre Aja: em ambos há um grupo de pessoas no meio de uma região desértica - onde irão encontrar uma enorme cratera, além dos assassinos psicóticos - e em ambos há cenas em que os protagonistas têm alguns dedos decepados, em cenas muito angustiantes. Há que se pensar o que esses cineastas têm contra os dedos. Será que eles preferiam cascos, eh! eh!

Outra obra medonha de 2006 no quesito violência explícita é O Albergue (Hostel), de Eli Roth - outro que parece não gostar de dedos: em seu filme, além de cenas de atropelamento, furadeiras esburacando pernas, serras elétricas cortando outras, há duas cenas de decepação. A última é particularmente aflitiva.

Este foi um ano em que diretores esnobaram a MPAA (órgão censor americano) e escancaram a violência em obras de qualidade que chegaram às salas de exibição do chamado cinema mainstream, há muito entregue a produções voltadas, no gênero, ao terror teen, fitas como Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, O Dia do Terror, Lendas Urbanas e tantas outras que se valiam mais de efeitos sonoros (leia-se: som aumentado) e situações clichês para causar sustos fáceis. Cineastas como Aja e Roth vieram para dizer que o buraco é mais embaixo, e que o cinema de horror e suspense agora tem outros caminhos traçados, levando ao público do gênero aquilo que ele realmente quer ver e sentir: medo, nojo, raiva, enfim uma verdadeira catarse para o que ele vê nos noticiários todos os dias - e não mais obras rasas com garotões sarados metidos a heróis e donzelas correndo e gritando pelos cenários com vilões mascarados e pouco pluasíveis em seu encalço. Os rumos do terror agora são outros e os estúdios começam a se dar conta. Abismo de Medo (The Descent) é outro desses novos cults que vêm para pavimentar esse novo caminho, já anunciado nos anos anteriores com barras-pesada de qualidade como Madrugada dos Mortos (refilmagem de Down of the Dead, por Zach Schnider) , o quarto da saga de zumbis de George Romero, Terra dos Mortos (Land of the Dead), a refilmagem de Massacre da Serra Elétrica (com Jessica Biel) até A Casa de Cera (House of Wax), terror no limiar entre o teen e o gore mais realista - inclusive, com direito a outra (!) cena de dedos decepados.

Enfim, o terror ganha substância - apesar de perder os dedos - e retoma o rumo perdido desde os anos 80 do século passado. Que venham os novos Albergues, Saws, Viagens e suas tramas ferozes. E escondam suas mãos.

2 Comments:

Blogger Legalmente Celle said...

Ameiii mesmoooo seu texto!Céus!Vc simplesmente descreveu tudo q pensei ao ouvir falar sobre "Jogos mortais 3"...Parabéns! ^^ E n to puxando o saco viu hehehe n faz meu tipo!

5:59 AM  
Blogger Ruggero70 said...

Obrigado, CS. "Puxação de saco" tb não faz meu tipo, eh! eh! O que vale é trocar idéias e discutir pontos interessantes de varios temas - no caso específico, cinema de terror/suspense. Valeu!

8:53 AM  

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